Na mitologia grega existe a dualidade entre Apolo e Dionísio com duas formas distintas de pensar o mundo. E qual dessas maneiras de viver deveria guiar o futuro do Brasil?
Será que precisamos de Dionísio, deus do vinho, com toda a explosão emocional e irreverência? Ou precisamos da racionalidade e a análises de Apolo?
Talvez o equilíbrio entre Apolo e Dionísio seja interessante. Mas isso sugere uma vitória de Apolo porque o meio termo demonstra uma harmonia racional, uma justiça apolínea.
E meu sangue brasileiro jamais aceitaria isso. Acredito que o modelo ideal de Brasil seria com um leve desequilíbrio para a criatividade e improvisação de Dionísio.
Mas será que o Brasil não está inclinado demais para a descontração e farra dionisíaca?
Essa dúvida surgiu enquanto dirigia na BR 277, sentido Curitiba, e resolvi parar em um posto de gasolina para pensar melhor no assunto e principalmente, porque estava com muito sono.
Estacionei o carro, entrei no banheiro e molhei a cara para acordar. Enquanto olhava no espelho lembrei de uma entrevista do Caetano Veloso, Roda Viva de 1996, em que Eduardo Giannetti comentou sobre a proporção entre racional e emocional nas culturas. Ele temia que o processo civilizatório poderia entristecer a alma humana (brasileira) e nenhum povo jamais conseguiu escapar.
Será que vinte anos depois da entrevista a civilização entristeceu a alma brasileira? Isso parecia contradizer minha dúvida anterior.
A pergunta ficou em minha cabeça enquanto terminava de lavar o rosto e me dirigia ao mictório, mas todos estavam ocupados. Então fui a uma das baias de vasos sanitários. Ao encostar a porta veio a resposta da pergunta que me afligia.
A revelação estava à minha frente na porta do banheiro, completamente limpa e bem cuidada.
Onde estão as frases engraçadas e criativas que existiam nas portas de banheiro? Na minha frente só existia uma porta triste e cinza.
Tem uma palestra do Paulo Leminski no Youtube em que ele chama essa intervenção nas portas dos banheiros de graffiti escatológico, uma espécie de poesia transgressora e ainda cita a clássica “Aqui toda coragem se acaba, todo valente faz força, todo covarde se caga.”
Perdemos a criatividade e essa vontade de danificar a propriedade alheia? Só pode ser a balança pendendo para o lado de Apolo, com toda formalidade e civilidade.
Também lembrei que durante a viagem até o posto não encontrei nenhum caminhão com as folclóricas frases de para-choque. Sequer consigo lembrar a última vez vi uma frase divertida no para-choque de um caminhão.
Estava quase decretada a vitória de Apolo. O BRASIL FICOU CARETA!
Fui a pia lavar as mãos e comecei a escutar que de uma das latrinas vinha o som de uma importante notícia de última hora da rádio CBN. Não acreditei! Agora o brasileiro escuta notícias no vaso sanitário?
Parei de lavar as mãos e comecei a escutar a notícia de meu vizinho de banheiro, sabendo que esse seria o nocaute de Apolo sobre Dionísio na cultura brasileira.
Mas eis que no meio da notícia aparece ELE, o gemidão do WhatsApp AHHHHH! OWNNNN! AHNNNNN! OWNNNNN!, seguido de um berro “Merda! Caí de novo!”. Do fundo do banheiro um caminhoneiro gritou “Trouxa! Caiu no gemidão do Zap Zap”.
Ufa! Meu medo de que o brasileiro tinha se tornado um povo chato e sem graça passaram. No último minuto vi que a alma de Dionísio sobrevive em nossa cultura, basta procurar.